terça-feira, 16 de outubro de 2012




O Espelho e o Futuro.
J. Norinaldo.



Faz um bom tempo, eu e alguns colegas Fuzileiros Navais oriundos de outros estados que não o Rio de Janeiro, onde servíamos no momento, morávamos numa espécie de republica, onde o banheiro era coletivo; quando acordávamos, quase rodos ao mesmo tempo, havia uma preocupação especial, o tempo que o Márcio ficaria no banheiro, se fosse o primeiro a entrar. Gente era muito tempo diante do espelho, realmente este jovem era de uma beleza impar, olhos verdes, uma plástica quase perfeita, digo quase perfeita por desconhecer a perfeição. Inclusive cuidava das sobrancelhas, acnes então nem pensar. Veio o destino e a Marinha e separaram aquele grupo de amigos, que todas as tardes quando estávamos todos juntos, fazíamos uma vaquinha para comprar pão e ovos, e era um verdadeiro banquete, que saudade daquela maleza. Muito bem, cada um para seu cada qual, Márcio deu baixa e o tempo foi passando. 40 anos depois das nossas brigas para que Márcio fosse o último a usar o banheiro, voltei ao Rio de Janeiro, e um belo dia estava num bar em Copacabana conversando com uma amiga, quando  de repente surgiu a minha frente um senhor idoso, caminhando com dificuldade, a barba por fazer há muitos dias, notava-se que não era uma barba cuidada, na verdade bem descuidada, olhou para mim e perguntou: Por acaso você é o Norinaldo? Vale salientar que sou realmente muito bom fisionomista, mas nesse caso, antes de responder, examinei bem aquele senhor, fiz um monumental esforço, sem nenhum sucesso. Sim, respondi, sou eu mesmo. E o senhor quem é? Márcio, lembra-se de mim? Moramos juntos no 227. Não acredito cara! Abri os braços para abraça-lo, mas senti que recuava, foi ai que notei que aquele jovem tão vaidoso do passado, agora não cuidava mais da beleza que se fora, nem das roupas que vestia afinal meu amigo não quis me abraçar por que cheirava mal. Apresentei Márcio a minha amiga, que também por formalidade tentou aqueles 3 beijinhos cariocas, o resultado foi o mesmo. Aquele homem se despediu, e como disse não ter telefone, eu lhe dei o meu, disse para ligar-me depois, e saiu caminhando como quem cairia em seguida.
Olhei para minha amiga, e esta me olhava de maneira estranha, como quem diz: que tipo de amigos esse cara tem... Tem um cigarro ai, perguntei de chofre. Tenho respondeu ela, mas você deixou de fumar já faz um bom tempo; pirou por acaso? Sentamos-nos numa mesa de bar ali na Avenida Atlântica e após um longo silencio Noêmia disse: Você não ficou nada bem depois desse encontro, que me falar sobre o assunto? Após um olhar para o mar, que pareceu durar uma eternidade, respondi: Não! Tenho certeza que irá pensar que me senti feliz.
Enquanto via minha amiga balançar a cabeça parecendo negar algo, procurei nos bolsos um pequeno frasco, de onde retirei alguns comprimidos e os engoli, pedi licença e fui ao banheiro, lá, diante do espelho, vi uma figura tão minha conhecida, e talvez por tida essa intimidade, falei muito baixo com medo que alguém pudesse me ouvir: Cara, nenhum dos teus pares, jamais me mostrou aquilo que eu tanto desejei ver, mas o que você e o tempo fizeram com o Com aquele cara, sinceramente, foi uma puta sacanagem. Tão distraído estava, que não vi um jovem que entrara no banheiro, ao me ver falando com o espelho, não pensou duas vezes, caiu fora. Eu faria o mesmo.

Lá em cima, Fuzileiros Navais escrito em maiúsculas, sei que não é certo, mas vou errar sempre. O nome do meu amigo também não é Márcio, é bom explicar até por que tive vários colegas com esse nome. E por fim, por que resolvi desenterrar esse caso: “Acordei apavorado, pois via o Márcio entrando no banheiro, ainda olhava para mim e dava um sorriso bem sarcástico”.
Rua Dr. Leal n° 227 Engenho de Dentro, Rio De Janeiro. Será que ainda existe um enorme pé de jaca na frente?
Depois desse encontro, todas as vezes que não gosto do que o espelho me devolve quando estou a sua frente, não por opção, mas por obrigação, pisco o olho e digo sorrindo. Olha que você nunca teve problemas com o tempo no banheiro do 227. Queria mesmo era fugir do espelho.