O Espelho e o Futuro.
J. Norinaldo.
Faz um bom tempo, eu e alguns
colegas Fuzileiros Navais oriundos de outros estados que não o Rio de Janeiro,
onde servíamos no momento, morávamos numa espécie de republica, onde o banheiro
era coletivo; quando acordávamos, quase rodos ao mesmo tempo, havia uma
preocupação especial, o tempo que o Márcio ficaria no banheiro, se fosse o
primeiro a entrar. Gente era muito tempo diante do espelho, realmente este
jovem era de uma beleza impar, olhos verdes, uma plástica quase perfeita, digo
quase perfeita por desconhecer a perfeição. Inclusive cuidava das sobrancelhas,
acnes então nem pensar. Veio o destino e a Marinha e separaram aquele grupo de
amigos, que todas as tardes quando estávamos todos juntos, fazíamos uma
vaquinha para comprar pão e ovos, e era um verdadeiro banquete, que saudade
daquela maleza. Muito bem, cada um para seu cada qual, Márcio deu baixa e o
tempo foi passando. 40 anos depois das nossas brigas para que Márcio fosse o
último a usar o banheiro, voltei ao Rio de Janeiro, e um belo dia estava num
bar em Copacabana conversando com uma amiga, quando de repente surgiu a minha frente um senhor
idoso, caminhando com dificuldade, a barba por fazer há muitos dias, notava-se
que não era uma barba cuidada, na verdade bem descuidada, olhou para mim e
perguntou: Por acaso você é o Norinaldo? Vale salientar que sou realmente muito
bom fisionomista, mas nesse caso, antes de responder, examinei bem aquele
senhor, fiz um monumental esforço, sem nenhum sucesso. Sim, respondi, sou eu
mesmo. E o senhor quem é? Márcio, lembra-se de mim? Moramos juntos no 227. Não
acredito cara! Abri os braços para abraça-lo, mas senti que recuava, foi ai que
notei que aquele jovem tão vaidoso do passado, agora não cuidava mais da beleza
que se fora, nem das roupas que vestia afinal meu amigo não quis me abraçar por
que cheirava mal. Apresentei Márcio a minha amiga, que também por formalidade
tentou aqueles 3 beijinhos cariocas, o resultado foi o mesmo. Aquele homem se
despediu, e como disse não ter telefone, eu lhe dei o meu, disse para ligar-me
depois, e saiu caminhando como quem cairia em seguida.
Olhei para minha amiga, e esta me
olhava de maneira estranha, como quem diz: que tipo de amigos esse cara tem...
Tem um cigarro ai, perguntei de chofre. Tenho respondeu ela, mas você deixou de
fumar já faz um bom tempo; pirou por acaso? Sentamos-nos numa mesa de bar ali
na Avenida Atlântica e após um longo silencio Noêmia disse: Você não ficou nada
bem depois desse encontro, que me falar sobre o assunto? Após um olhar para o
mar, que pareceu durar uma eternidade, respondi: Não! Tenho certeza que irá
pensar que me senti feliz.
Enquanto via minha amiga balançar
a cabeça parecendo negar algo, procurei nos bolsos um pequeno frasco, de onde
retirei alguns comprimidos e os engoli, pedi licença e fui ao banheiro, lá,
diante do espelho, vi uma figura tão minha conhecida, e talvez por tida essa
intimidade, falei muito baixo com medo que alguém pudesse me ouvir: Cara,
nenhum dos teus pares, jamais me mostrou aquilo que eu tanto desejei ver, mas o
que você e o tempo fizeram com o Com aquele cara, sinceramente, foi uma puta
sacanagem. Tão distraído estava, que não vi um jovem que entrara no banheiro,
ao me ver falando com o espelho, não pensou duas vezes, caiu fora. Eu faria o
mesmo.
Lá em cima, Fuzileiros Navais
escrito em maiúsculas, sei que não é certo, mas vou errar sempre. O nome do meu
amigo também não é Márcio, é bom explicar até por que tive vários colegas com
esse nome. E por fim, por que resolvi desenterrar esse caso: “Acordei
apavorado, pois via o Márcio entrando no banheiro, ainda olhava para mim e dava
um sorriso bem sarcástico”.
Rua Dr. Leal n° 227 Engenho de
Dentro, Rio De Janeiro. Será que ainda existe um enorme pé de jaca na frente?
Depois desse encontro, todas as
vezes que não gosto do que o espelho me devolve quando estou a sua frente, não
por opção, mas por obrigação, pisco o olho e digo sorrindo. Olha que você nunca
teve problemas com o tempo no banheiro do 227. Queria mesmo era fugir do
espelho.