O Pior Carrasco.
J. Norinaldo.
Não sei se estou certo usando um
antigo ídolo como exemplo que mostra que o maior carrasco da humanidade é o
tempo e a soberba. Eu tinha 20 anos e nunca fui favorecido pela beleza de
consumo que tanto se valoriza, como cabo fuzileiro naval vim servir numa cidade
do Rio grande do sul. Como era obrigado passar muitas vezes por uma rua que
levava ao nosso quartel, era também obrigada a ver uma moça muito bonita quase todos os dias; não vou dizer que me apaixonei
por ela, mas a achava simplesmente linda, uma vez, lembro-me tão bem como se
tivesse sido ontem, disse isto para ela. Ia passando como sempre, ela vestia um
vestido que lhe caia muito bem, como quase tudo que vestia, aproveitei que estávamos
sozinhos na rua e criei coragem e disse: Nossa! Você é realmente linda. Essa
moça olhou-me de uma maneira que não consegui distinguir como, se com deboche,
desprezo ou simplesmente surpresa pelo meu atrevimento, apesar de não ser rica,
morava numa casinha simples, mas sem dizer uma palavra, jogou a cabeça para o
outro lado numa velocidade que pensei que se desnucaria, na minha terra esse
movimento se dava o nome “Rabiçaca”; e até esse gesto foi bonito, seu lindo
cabelo negro deu um verdadeiro laçasso como diz o gaucho. Nunca esqueci aquela
moça, fui embora dessa cidade, passei mais de 30 anos fora, fui para a reserva
e voltei a morar nela, pois ali me casei. Por coincidência ou não, moro hoje
bem próximo dessa pessoa acima citada.
Hoje, choveu muito, bem à tardinha como a
chuva deu uma trégua, peguei o carro para ir a mercado comprar pão e alguma
verdura, já que é sábado e no domingo não gosto de acordar cedo. Muito bem,
vinha vindo e numa esquina encontrei um velho conhecido que me fez sinal e
parei para conversarmos, estávamos papeando, quando surgiu na rua à dita moça
da história, tentava andar depressa para não ser surpreendida pela chuva que
apenas dera uma trégua, mas essa parecia uma missão impossível, quando estava
bem próxima uma pessoa a chamou, e ai eu vi como se a vida voltasse à fita, o
dia e a rabiçaca. Agora, para atender o chamado, ela fez um movimento de
rotação com o corpo de 180 graus, em câmara lenta em relação aquele movimento
de desdém que me dedicara 40 anos antes. Comecei a comentar o assunto com meu
amigo, nisso começou a pingar, tive que dar-lhe uma carona, ainda passei pela
antiga musa que já não lutava contra os passinhos miúdos, conformara-se em
talvez pegar uma gripe. O tempo, meu amigo, é o nosso pior carrasco, comentou
de repente meu amigo. É verdade, respondi.
Cheguei em casa ainda pensando no
caso, quando fui fechar o portão da garagem, notei que caira várias mangas dos
pés que tenho no pátio, algumas até maduras, me abaixei para apená-las, e
quando tentei me levantar, lembrei do comentário do meu amigo. Realmente, o
tempo é o nosso maior e pior carrasco, porém tenho uma certeza, para as musas
ele é muito pior.
Mas uma frustração, perguntei a uma
jovem parenta da minha antiga musa se ela tinha Internet em casa, e esta
sorrindo respondeu: Internet? Que é isto, ela nem sabe o que é isto, e como
vive como sempre viveu, sozinha, nem celular ela tem. Sozinha como sempre
viveu?
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