Ser, Ter e Perder.
J. Norinaldo.
Hoje eu tenho bastante tempo para
pensar, lembrar de coisas que vivenciei num passado não tão remoto, mas que na
época não lhes dei a importância necessária, agora, nas longas noites de
insônia, me voltam essas recordações, das quais procuro tirar algum proveito.
Esta noite, lembrei-me de um Almirante que conheci, não intimamente, sem
amizade, conheci o seu rigor, o seu poder e a sua fama. Servia no Complexo
Naval da Ilha do Governador no Rio de Janeiro, onde cheguei no inicio do ano de
1966, oriundo de Recife. Foi ali que conheci essa verdadeira legenda, que
evitarei o nome aqui, mesmo não estando mais entre nós, mas mesmo assim, vez
por outra sonho fugindo de suas garras, nem sempre consigo mesmo em sonho.
Muito bem, lembro como se fosse
hoje, que quando alguém dizia: O Almirante está na área, falo aqui em meu nome,
mas creio que a maior parte daquela ilha ficava com os nervos a flor da pele
como a esperar o apito de pênalti a qualquer segundo. Lembro-me de uma famosa
inspeção de uniforme que participei com esse oficial, quando o mesmo chegou a
minha frente, me olhando nos olhos pensei que cairia em segundos, não cai, ele
mandou que eu erguesse o gorro, e disse com sua voz de Almirante, aliás, era o
que era: “Anota o resto!”. Servi de piada, o que me livrou de uma cadeia.
Diga-se de passagem, não quero
aqui ser leviano, esse oficial general era rigorosíssimo com seus subordinados,
mas consigo também, seu uniforme era impecável, realmente tinha pinta de
almirante, o que não era tarefa difícil, é claro, com uma equipe destinada e
treinada, cursada só para essa tarefa.
Costumava-se dizer na época: O
Almirante chegou, a ilha inteira treme. Sai do Rio de Janeiro como cabo e vim
servir no Rio Grande do Sul, estado onde moro hoje, na cidade de São Borja,
mais conhecida como a Terra dos Presidentes. Gente, mesmo aqui, em São Borja,
longe, muito longe da Ilha do Governador, eu não escapei dessa legenda
supracitada, um dia, que já vai muito longe, esta cidade ouviu vários tiros de
canhões, e o 2° RCMEC foi até a entrada da cidade, como muito militares
montando seus belos cavalos, e acompanharam o almirante dos meus pesadelos, até
a entrada do Destacamento de Fuzileiros Navais, onde hoje é a Unipampa.
Mas, como na vida tudo passa, o
Almirante passou, passou para a reserva, eu continuei na ativa, voltei ao Rio
de Janeiro, para o mesmo lugar, Ilha do Governador, e um belo dia, o Presidente
da República participaria de um cerimonial de entrega de espadas aos
Guardas-Marinha, na Escola Naval e eu fui escalado como rádio operador; fiquei
com um Capitão-Tenente na estrada da escola organizando e recebendo as autoridades
que chegavam para o evento. O estacionamento para os seres normais, ficava na
cabeceira do
Aeroporto Santos Dumont, a uma
considerável distância, você desembarcava lá e volta a pé, só autoridades
desembarcavam na entrada do evento. De repente quem eu vejo chegando num Opala
beje, cor da nossa farda? Quem? Nem adivinham? Pois é gente, o meu Almirante,
eu o reconheci na hora, ora se eu o visse hoje o reconheceria, foi muito medo,
pavor, pânico. Parou o carro no local destinado a autoridade, o capitão que se
encontrava dando instruções ao motorista de um jovem Governador de um estado do
nordeste, viu e me gritou: Manda esse carro seguir para o estacionamento, eu
rezei para que o almirante tivesse escutado e seguisse sem minha intromissão,
mas não, ele ouviu, mas virou-se para mim e disse, já não com aquela voz que eu
lembrava tão bem: Avise ao oficial que eu sou e me disse como se eu não
soubesse, senti vontade de ri, não ri. Está esperando o que? Gritou-me o
oficial, criei coragem e disse, não sei como saiu minha voz, mas senti certa
felicidade ao dizer: Vossa Excelência
terá que seguir para o estacionamento e de lá voltar a pé, fiz questão, era
minha grande vingança; apesar que sonhava mesmo era dizer: Ergue o gorro. Anota
tudo.
O que sentiu aquela autoridade,
agora ex autoridade enquanto voltava do estacionamento, será que a distancia
percorrida a pé e muito empoeirada pareceu a mesma para todos que para eles
esse sempre foi um procedimento normal? E a família que estava junta?
De certa forma fiquei triste e
pensei: A vida é uma merda. Vocês queriam o que? Eu estava só pensando. E é, se
você não descobri isto a tempo, e souber
que tudo na vida passa, acreditar que só existem o ter e o poder, o perder fará
com que você descubra isto da pior maneira.
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