domingo, 18 de outubro de 2015




                                                                Da arte do desamar 


 
A literatura literária, psicológica e até mística, tem largo acervo sobre a arte de amar, teoremas e sugestões, conselhos e dicas sobre a incrivelmente prazerosa, arte do amar. 

No entanto, háumsilênciosobre a arte do desamar. Talvez porque não existamformulase cadahistória é única. Não acredito. Ainda quando piá, menina feliz  a explorar um mundo(pampasgaúchos), lembro-me dasensaçãode empinar pipas. E lembro-me daangústiaque sentia quando uma pandorga se soltava de minhasmãos, naânsiade querer fazer uma acrobacia maisousada ou simplesmente distração. Corriaatrásdela, não aceitava que tinha se ido, pulava muros, subia em telhados e quando alguma vez resgatava a pandorga, dilacerava meu coração ver que ela já não era mais a mesma; rasgões,hastesquebradas. Entãoa levavapra casa e tentava deixa-la como antes, mas invariavelmente nãoconseguia. 

Penso que foi nessaépocaque comecei a aprender adifícilarte do desamor. 

Um dia, quando percebi que tinha perdido a pipa, olhei pro céu e vibrei com sua liberdade, acompanhei somente com olhar, sem correratrás, atrajetóriaque fazia ao léu, livre de mim, senti que não era tão ruim assim, consolava-me saber que outra criança a resgatasse inclusive vim aprender depois que era uma brincadeira  interessante encontrar pipas por acaso de outros piás, uma competição entre as crianças) etambémconsolava-me saber que eu iria ter outra pipa. Também nessaépoca, eu já mais graúda, ganhei de um amiguinho ( que dizia sermeu namorado), um rouxinol. Joãozinhotrouxe-mea ave numa gaiola comum. Estava feliz porque o havia capturado pra mim e essa foi sua forma de provar seu amor infantil. Agradeci e fiquei na varanda de casa, eu e o rouxinol. Ele na gaiola, inquieto, eu na minha gaiola de tristeza(eu j? nesse tempo havia provado o sabor que nenhuma criança deveria provar: O da solidão). Pensei feliz,agora tenho um amiguinho que não me abandonará. Entãoo leveipra meu quarto, coloquei a gaiola junto a janela, pra que ele pudesse ver a beleza dos campos, osgirassóisdo quintal, a videira que nesse tempo estava cheia de seus frutos doces. Queria o ver feliz. Noarmazémcomprei alpiste, e coloquei água. Os dias se passavam, masmeu rouxinol cantava poucas vezes, geralmente pela manha, ainda na aurora. Depois, silencio e agitação. Entãosem que nada me preparasse pra minha atitude, peguei a gaiola e fui pros fundos do quintal,juntoaumajabuticabeirafrondosa. Sentei a sua sombra e colocando a gaiola no colo, abri vagarosamente a portinhola; lembro-me que tinhaesperançaque o rouxinol nãosaísseque quisesse ficar, ou que ao menos relutasse.Mas, quando viu a liberdade saiu tão rápido que sópude perceber o vento que suas asas agitadas naânsiado voo,fizeram. E tal como as pandorgas,fiquei látentando ver pra onde voava meu querido rouxinol.Quislhe agradecer pelos dias que estivera comigo,quislhe dizer do quanto tinha sidoimportante ter finalmente alguémpra compartilhar(sim porque não disse que conversava anoitecom ele, contava das minhas façanhas de menina, das minhas saudades, de minhas tristezas), mas não tivetempo... Nesse instante foi que pensei que nunca o tinha tocado...o mais próximo que houvera conseguido fora aquele quase roçar de asas. E assim ele alçou um lindo voo em direçãoao horizonte.  
Sentiaslágrimasrolarem, maselas desembocaram em lábios que sorriam. Senti que pela primeira vez desde que oconheceraqueele estava feliz. Fiquei algum tempo ali entre as fruteiras, sentindo umapresençaque hoje sei, seria minha companheira pro resto da vida: A solidão. Entãoaconteceu algo inusitado. Ouvi um canto de rouxinol, junto a mim. Procurei e o encontrei entre os galhos dajabuticabeira, ele viera se despedir. Dei-lhe adeus e ele se foi, pra sempre. Em casa, transformei a gaiola numa casinha de bonecas. Não quereria que servisse deprisãopra mais outro ser.  Ah, adifícilepoéticaarte do deixar partir, do desapegar-se, do desamar! 
 Ainda hoje pratico essa arte, vez em quando um rouxinol me aparece, ou uma pandorga.  
O ego quer que fique, a vaidadetambém.  
Mas o amor, esse diz:  
Deixair...Se voltar é porque você lhe pertence e ele a ti.  Atéhoje nunca voltaram... 
 
 PiáMontenegro(Anamélcia Tavares) 

Um comentário:

  1. Apesar da inexperiencia em postar, uma cronica que nos leva muito longe, a pensar no que parece apenas um conto de mulher que foi criança; fortes revelações, mas discordo no Desamor, no desapego sim, mas o atoe em si é de puro amor, dar liberdade mesmo que isto venha momentaneamente lhe causar certa tristeza pela incompreensão que o preço desta felicidade é justamente a castração da liberdade de outrem; ou seja um felicidade em troca de uma infelicidade. Parabéns, pela crônica e pelos atos.

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